quarta-feira, 28 de novembro de 2018

PODER ULTRAJOVEM - Carlos Drummond de Andrade



  • NO RESTAURANTE — QUERO LASANHA.
Aquêle anteprojeto de mulher — quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia — entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
 

O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
 

— Meu bem, venha cá.
 

— Quero lasanha.
 

— Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
 

— Não, já escolhi. Lasanha.
 

Que parada — lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
 

— Vou querer lasanha.
 

— Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
 

— Gosto, mas quero lasanha.
 

— Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede fritada bem bacana de camarão. Tá?
 

— Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
 

— Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
 

— Você come camarão e eu como lasanha.
 

O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
 

— Quero uma lasanha.
 

O pai corrigiu:
 

— Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
 

A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:
 

— Môço, tem lasanha?
 

— Perfeitamente, senhorita.
 

O pai, no contra-ataque:
 

— O senhor providenciou a fritada?
 

— Já, sim, doutor.
 

— De camarões bem grandes?
 

— Daqueles legais, doutor.
 

— Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?
— Uma lasanha.


— Traz um suco de laranja pra ela.
 

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
 

— Estava uma coisa, hem? — comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. — Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
 

— Agora a lasanha, não é, papai?
 

— Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
 

— Eu e você, tá?
 

— Meu amor, eu...
 

— Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
         

O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com forca total, o poder ultrajovem.
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Texto extraído do livro “O poder ultra jovem”, Ed. José Olympio – Rio de Janeiro, 1972, pág. 3


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