segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Tempo é vida, não desperdice o seu



“O Preço do Amanhã”

 Acusado de assassinato, um homem deve descobrir como derrubar um sistema onde tempo é dinheiro e que permite que os ricos vivam para sempre, enquanto os pobres devem implorar por cada minuto de suas vidas.

O filme “O Preço do Amanhã” se passa em uma sociedade na qual as pessoas crescem e se desenvolvem até os 25 anos, quando o organismo humano para de envelhecer. Ao completar tal idade, cada um possui apenas mais um ano de vida. Para viver mais do que isso, deve-se conseguir mais tempo.

O tempo restante da vida das pessoas fica estampado na pele do braço esquerdo em uma espécie de relógio que contém dígitos em contagem regressiva. O tempo lá marcado é igual à duração restante de sua vida. Quando o relógio é zerado a vida acaba sem chances de retorno.

O número define também o tamanho da riqueza de cada um. Não há mais centavos ou reais, somente segundos, minutos, horas. Dessa forma, para pagar contas ou fazer compras, por exemplo, as pessoas precisam usar o tempo da própria vida como forma de pagamento.

Em resumo, a moeda corrente é “tempo de vida”.  Ou seja, caso o indivíduo obtenha recursos poderia viver eternamente. As pessoas pobres trabalham arduamente, pedem esmolas, pegam emprestado ou roubam horas para conseguirem chegar vivos até o final do dia.

Os pobres vivem correndo, sempre na iminência da morte, e os ricos sem pressa alguma, pois a eternidade é algo acessível, a menos que sejam mortos por causas não naturais. É uma urgente corrida contra o tempo para as classes mais baixas e um calmo passeio para os ricos.

As classes são divididas em zonas de tempo, de modo que os ricos vivem em uma cidade diferente separada por caros pedágios da área da população carente.

O protagonista é Will Sallas, que vive em uma zona pobre e sempre com as horas contadas. No começo do longa, ele perde a sua mãe: ela morre em seus braços por causa do aumento súbito das tarifas de ônibus, que a obriga a caminhar para chegar em sua casa sem tempo suficiente para isso.

A história muda quando ele recebe mais de um século de um milionário que não via mais sentido em sua vida. Essa transferência gera suspeita dos “guardiões do tempo”, uma espécie de polícia que combate roubos e assaltos desse bem tão precioso. Com isso, o personagem resolve passar as diversas fronteiras entre as cidades e desafiar o sistema.

Ao chegar à área dos ricos, envolve-se com a filha de um poderoso banqueiro. Perseguido pela “polícia do tempo”, para escapar, ele a sequestra e vira uma espécie de “Robin Hood”, roubando tempo dos ricos e distribuindo entre os pobres. A filha do magnata, Silvia, acaba apoiando a causa do jovem, unindo-se a ele aos assaltos nesse mundo no qual tempo é literalmente dinheiro.

Crítica à sociedade capitalista:

É possível notar semelhanças entre o filme e a nossa realidade, nessa dinâmica do “tempo é dinheiro”. O filme é uma crítica ao sistema econômico atual (capitalismo), com destaque para a desigualdade social – muitos tendo pouco para que poucos possam ter muito.

A divisão de classes em si e a concentração de riquezas (o tempo) revelam que enquanto poucos podem viver eternamente, o restante da população deve se sacrificar para conseguir o próximo dia de vida.

Além disso, podemos notar a alienação do trabalhador nesse processo, que, segundo alguns autores, seria fruto dessa sociedade. “Eu não tenho tempo. Eu não tenho tempo para pensar como isso acontece. É o que é”, argumenta um dos personagens da área pobre. Os assalariados vivem sem grandes perspectivas, vivendo o hoje e trabalhando muito simplesmente para garantir o amanhã.

Segregação sócio-espacial

No filme, essa questão mostra-se bastante evidente no fato de existirem duas cidades na trama: uma para os ricos e outra para os pobres.

No “mundo” dos ricos, os hábitos são diferentes. As pessoas estão sempre tranquilas, sem pressa, afinal, possuem todo o tempo necessário, não havendo motivo para correr. Já no “mundo” dos pobres, as pessoas precisam sempre se apressar para sobreviver.

Além disso, os mais pobres não conseguem chegar no centro de poder e riqueza da sociedade por causa dos diversos pedágios que cobram anos de vida a cada parada. O que impede um simples mortal de chegar até lá é justamente a falta de “tempo”.

Quando Will resolve sair da cidade pobre, gasta muitos anos no pagamento dos pedágios e demora para chegar. Vale refletir sobre essas fronteiras – às vezes invisíveis – que separam o espaço urbano dos ricos do espaço urbano dos pobres e as dificuldades de fazer a travessia tanto na realidade quanto no FILME.

Saúde e qualidade de vida

No mundo fora da ficção, a morte é o que iguala a todos. Não haver mais a possibilidade da morte é um outro modo cruel de distinção social, com apenas os ricos tendo a possibilidade de viver para sempre.

Aqui, vale fazer um paralelo com a realidade, considerando que as pessoas com maior poder aquisitivo têm acesso a serviços de saúde de qualidade que possibilitam prolongar suas vidas.

E essa relação pode ser estabelecida tanto com o custo de caros tratamentos, quanto com os problemas que as pessoas com menos recursos enfrentam sem acesso a saneamento básico, vacinas e remédios, por exemplo.

Apesar disso, a classe abastada do filme é entediada com a vida. Eles não envelhecem, mas também não se permitem viver livremente. Na cena em que Silvia entra no mar com Will, por exemplo, é ao sentir emoção de uma aventura pela primeira vez que ela decide se juntar a Will na luta contra o sistema.

Durante o filme, a frase de uma das personagens reflete essa questão: “os pobres morrem e os ricos não vivem”.

Controle populacional

Esse controle sobre a vida das pessoas é justificado no filme pelo combate à superpopulação.

O personagem que doa seu tempo a Will questiona a realidade deles em que “para poucos serem imortais, muitos precisam morrer” e explica por que taxas e preços aumentam dia após dia no gueto: nem todos podem viver para sempre, pois não haveria espaço.

Existe tempo suficiente para todos viverem bem e sem a pressa. Os ricos, que possuem 100, 500 até 1000 anos poderiam fazer doações para as pessoas que não possuem tanto tempo e, mesmo assim, tudo iria funcionar, haveria espaço e ninguém teria seu tempo esgotado.

Meritocracia

“É claro, alguns acham que o que temos é injusto; a diferença entre os fusos. Mas não é esse o próximo passo lógico na nossa evolução? E a evolução não foi sempre injusta? O mais bem adaptado sobrevive. É mero capitalismo darwininano. Seleção natural”, afirma um dos personagens ricos. Nessa fala e em outros momentos do filme é possível notar a exaltação da meritocracia.

Para diversas pessoas nessa sociedade, a falta de oportunidades de muitos e o privilégio de poucos não é questionada, de modo que os personagens aceitam essa dinâmica.

Aqui, não tem problema a riqueza ser algo inacessível para muitos já que para eles isso já é algo “enraizado na humanidade”.  

Já se tornou argumento comum a ideia de que a melhor maneira de ajudar os pobres a sair da miséria é permitir que os ricos fiquem cada vez mais ricos. No entanto, à medida que novos dados sobre distribuição de renda são divulgados, constata-se um desequilíbrio assustador: a distância entre aqueles que estão no topo da hierarquia social e aqueles que estão na base cresce cada vez mais”.

No filme a riqueza de algumas pessoas não beneficiou outros indivíduos, apenas gerou uma concentração de renda ainda maior e mais dificuldades para as classes mais baixas.

No filme a humanidade acredita ter encontrado uma suposta solução para o problema da superpopulação com a modificação genética que faz com que todos parem de envelhecer aos 25 anos. A partir dessa idade, as pessoas devem conquistar mais tempo, trabalhando (ou no caso dos ricos, apenas herdando). Entretanto, como o custo de vida é extremamente alto, a maioria morre muito jovem.

Este filme leva-nos a refletir sobre como, muitas vezes, soluções antiéticas são apresentadas para problemas da humanidade, como a superpopulação, à custa do sofrimento dos mais pobres.

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